IL POVERELLO

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

EM QUEM VOTA RAQUEL DE QUEIROZ ...

Autora: Raquel de Queiroz


“Não sei se vocês têm meditado como devem no funcionamento do complexo maquinismo político( seja: as encenações teatrais de governantes, que também podem ser traduzidas como fingimento, simulação, ostentação, fanfarrice, etc.) que se chama govêrno democrático, ou govêrno do povo. Em política a gente se desabitua de tomar as palavras no seu sentido imediato.”


“No entanto, talvez não exista, mais do que esta, expressão nenhuma nas línguas vivas que deva ser tomada no seu sentido mais literal: govêrno do povo. Porque, numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVÊRNO.”


“Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de tempo.”


“Escolhem-se pelo voto aquêles que vão modificar as leis velhas e fazer leis novas – e quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.”


“Escolhemos igualmente pelo voto aquêles que nos vão cobrar impostos e, pios ainda, aquêles que irão estipular a quantidade dêsses impostos. Vejam como é grave a escolha dêsses “cobradores”. Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gota de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bolso.”


“E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aquêles que vão receber, guardar e gerir a fazenda pública, mas também se escolhem aquêles que vão “fabricar” o dinheiro. Esta é uma das missões mais delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos.”


“Pois, se a função emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Eles desandam a emitir sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale mais zero.”


“Não preciso explicar muito este capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros falsos no poder.”


“Escolhem-se nas eleições aquêles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático. E, circunstâncias mais grave e digna de todo o interesse: dá-se aos representantes do povo que exercem o poder executivo o comando de todas as fôrças armadas: o exército, a marinha e aviação, as polícias.”


“ E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho que lhes fez um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhe deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio – lembrem-se de que não vão proporcionar a esses sujeitos um simples emprego bem remunerado.”


“Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para eles comandarem – e soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes que lhes dá o povo. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos (legítimos aqui significando que nós eleitores é quem tornamos o poder que detêm esses indivíduos, real, verdadeiro, legítimo. Não querendo aqui se dizer, que é o que se denota à primeira vista, que por terem recebido o nosso voto, e não honrando as promessas e compromissos de campanha, possam tais pessoas se dizerem nossos legítimos representantes), passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar como se nós próprios fôssem.”


“Entregamos a êsses homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra – e a flor da nossa mocidade, a eles presa por um juramento de fidelidade.”( o juramento de fidelidade aqui inserido pela autora, significando a manifestação profunda de nossa consciência em ser fiel às aspirações e esperanças, de mudanças e melhoras, vislumbradas na pessoa daquele em quem decidimos votar). E tudo isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou contra o seu amo e criador.”


“Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva.”


“Porque, afinal, a mulher quando é ruim, dá-se uma surra, devolve-se ao pai, pede-se desquite. E o governo, quando é ruim, ele é que nos dá a surra, ele é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da boca dos nossos filhos e nos faz apodrecer na cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.”


“E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor ( pode-se, também aqui, se referir ao eleitor), se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquêle candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto.”


“Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à fôrça, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno”.


OBSERVAÇÃO.: A matéria que acima transcrevemos em memória a essa genial Escritora, foi publicada em 11 de janeiro de 1947, na Revista o Cruzeiro. Os fatos abordados há 63 anos são tão atuais que parece que a escritora ainda está viva e que a matéria fora publicada um dia antes das eleições de 03 de outubro de 2010.


P S o destaque feito em itálico é nosso. Respeitamos as regras gramaticais  da época.


Rio de Janeiro, 07/10/2010.

Emmanuel Avelino.
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